A Ciência que faz você comprar mais


Eles sabem seu nome, onde você mora e o que você quer. entenda como as empresas estão vasculhando a internet, seu celular e até seu cérebro para fazer você consumir mais.

Em uma tarde do ano passado, um senhor entrou em uma das lojas da Target, rede americana que vende de móveis a produtos de limpeza. Ele estava de cara fechada e tinha alguns cupons nas mãos. Pediu, então, para falar com o gerente. “Minha filha recebeu isso pelo correio. Ela ainda está na escola, e vocês estão enviando cupons de descontos para roupas de bebê e berço. Querem que ela fique grávida?” O gerente se desculpou e, dias depois, ligou novamente para se redimir. Ao telefone, o pai da garota contou que, ainda no carro, voltando da loja, sua mulher confessou que havia coisas acontecendo na família de que ele não tinha ideia. “Tive uma conversa com minha filha, e o bebê é para agosto. Eu é que te devo desculpas”, disse o senhor na ligação. A adolescente, de fato, estava grávida. E a Target descobriu antes do avô da criança.

Um ano antes, um estatístico contratado pela loja havia criado uma maneira de descobrir quais clientes estariam grávidas para enviar a elas ofertas de produtos para gestantes e bebês. A rede tem uma espécie de identidade de cada consumidor, criada quando ele usa um cartão de crédito ou um cupom promocional, preenche uma pesquisa, liga para o SAC ou visita o site da loja. A partir daí, monitora tudo que ele compra. Cruzando o consumo de grávidas, o estatístico criou um padrão do que elas compram. Hoje, a Target sabe que, se uma mulher de 23 anos levou para casa uma loção de manteiga de coco, uma bolsa grande o suficiente para guardar fraldas, suplementos como zinco e magnésio e um tapete azul, há 87% de chance de ela estar esperando um bebê há 3 meses.

A história da Target tornou-se uma das mais emblemáticas entre os profissionais de marketing que trabalham com análise de dados. O caso é sinal de tempos em que vivemos em uma espécie de reality show em que os espectadores são as marcas. Elas varrem a internet atrás de pistas sobre o que sentimos e compramos e nos sugerem em que devemos gastar nosso dinheiro. Basta ligar o celular, para que saibam exatamente onde estamos e tentem até adivinhar o que vamos fazer. Outdoors já são capazes de filmar nossa expressão diante de um anúncio, óculos futuristas monitoram para onde vai nosso olhar e máquinas de ressonância magnética detectam as emoções que sentimos ao experimentar pela primeira vez o aroma de um novo sabão em pó.

Não há limites para a ciência das vendas, que entrou em sua era de triunfo, agora com colaboração não só dos publicitários, mas de craques da computação, neurocientistas, antropólogos e estatísticos. “De repente, os matemáticos se tornaram sexy”, diz Andreas Weigend, ex-cientista chefe da Amazon, hoje à frente do instituto The Social Data Lab, dedicado ao que ele chama de “revolução social dos dados”, o fato de ser possível saber quase tudo sobre uma pessoa apenas vasculhando seus rastros no mundo digital.

Big Brother online
Em um escritório na cidade de Little Rock, EUA, 23 mil servidores da Acxiom processam em torno de 50 trilhões de diferentes dados por ano. São informações como sexo, raça, peso, idade, altura, estado civil, escolaridade, posições políticas, hábitos de consumo, histórico de saúde e principais destinos nas férias de mais de 500 milhões de consumidores ao redor do mundo. Para cada pessoa cadastrada, são cerca de 1.500 dados. “Temos mais de 175 milhões de informações pessoais sobre brasileiros”, afirma Jeff Standridge, vice-presidente da empresa no país. Os dados são considerados públicos, uma vez que são coletados de registros de governo ou de publicações na internet, como blogs e sites pessoais, além de serem comprados de outras empresas, prática permitida por lei.

Líder mundial no setor, a Acxiom é uma das cerca de 200 empresas no mundo dedicadas a colecionar informações pessoais sobre todo tipo de gente e vendê-las a companhias como HSBC, Toyota, Ford e lojas de departamento como a Macy’s, que podem criar estratégias personalizadas para vender mais. “A chance de desenhar um produto para o gosto de cada um é o Santo Graal do marketing e explica esses bancos de dados gigantescos”, diz Marcelo Träsel, professor de comunicação digital da PUC-RS.

A empresa — que recrutou talentos do Google, Microsoft e Amazon — organiza as pessoas em 70 diferentes categorias que vão de “famílias cristãs”, “perda de peso”, “tabaco” e “obcecados por dinheiro”, passando pela “waste” (desperdício), gíria criada por empresas do ramo para pessoas nas quais não vale a pena investir esforços de venda. “Dados não são bons ou maus, morais ou imorais, mas produto de nossa vida moderna, importantes para indivíduos, organizações e para a economia como um todo”, diz Standridge.

Uma das concorrentes da Acxiom, a startup californiana RapLeaf, permite às empresas acessar informações de clientes digitando apenas o e-mail deles. Basta fazer o upload de uma lista de contatos para, em 10 segundos, receber o resultado de milhares de pessoas. A empresa afirma ter informações de 75% dos cidadãos dos EUA. “Deixamos rastros digitais aonde vamos. Os celulares estão o tempo todo revelando nossa localização via GPS, o Facebook rastreia cada foto que carregamos, lojas vendem nossas informações para corretoras de dados”, afirma a advogada e conselheira da Abine, empresa americana de defesa de nossos direitos na internet, Sara Downey. “A falta de privacidade online é um grande problema, e só tende a piorar.”

Não há como ter certeza de que estas empresas só utilizem dados públicos para nos rastrear. Mas o fato é que eles seriam mais do que suficientes. A cada dia são publicados em torno de 95 milhões de tuites. Por mês, as postagens no Facebook ultrapassam 30 bilhões. Na internet, nós mesmos entregamos segredos de nossas vidas, assim, de graça, para as empresas.

Não à toa o Google é o líder de publicidade na internet, com um lucro anual em torno de US$ 36 milhões, quase 10 vezes a soma do Facebook, LinkedIn e Twitter: ele sabe exatamente o que procuramos. Quando digitamos uma palavra em seu campo de busca, dizemos exatamente o que queremos saber. Com base nisso, anúncios relacionados aparecem no canto direito da tela. No Gmail (serviço de e-mail do Google), o mesmo software que varre mensagens procurando spams e vírus está atento às palavras digitadas. Experimente escrever dois e-mails mencionando os Beatles e é capaz de surgir a oferta de um DVD do Fab Four na caixa de anúncios — fizemos o teste. Assim, as marcas podem fazer ofertas mais certeiras. “Se a pessoa diz que pretende viajar, dá para sugerir um produto para viagem”, diz Leandro Balbinot, diretor de TI e Gestão da Renner, que usa dados online para direcionar suas estratégias.

Não contente em saber apenas o que contamos de forma escancarada, o Google decidiu pagar por informações pessoais de seus usuários. Em março, o gigante de buscas lançou o Screenwise Data Panel, serviço que paga entre US$ 5 e US$ 20 de crédito em compras a quem instala plug ins (softwares que fucionam como acessórios do navegador) para ter suas atividades online monitoradas. Na versão mais sofisticada (e que paga melhor), eles também acompanham o uso de MSN, filmes e músicas baixados, além de programas assistidos pela TV online.

Prova de que esse tipo de coleta de dados dá resultado são as vendas da Amazon. A empresa é pioneira no sistema “se você gostou de Game of Thrones também vai gostar de O Senhor dos Anéis”. Um algoritmo cruza os dados dos compradores, dizendo quais livros os fãs de Game of Thrones também colocaram em seu cesto de compras. A lógica também serve para quem procura DVDs, blu-rays e vários outros produtos. O site acaba gerando sugestões que fazem sentido para o usuário. Como resultado, em torno de 35% das vendas da Amazon, que ficam em US$ 50 bilhões por ano, vêm desse sistema. O site de comércio online sabe muito sobre o que gostamos. Mas uma rede social que tem como ferramenta mais popular um botão “curtir” sabe mais ainda.