O presidente do Instituto Weizmann, de Israel, diz que os cientistas precisam de liberdade para fazer descobertas e que a energia do futuro será diferente em cada região do mundo
O físico Daniel Zajfman, de 53 anos, é desde 2006 presidente do respeitado Instituto Weizmann de Ciência, centro de estudos e pesquisas em Israel que reúne 1000 cientistas e o mesmo número de alunos dedicados ao desenvolvimento de novas fontes de energia renovável, à astrofísica, à cura do câncer e à nanotecnologia. Em 2009, uma das diretoras da instituição, Ada Yonath, foi premiada com o Nobel de Química. O Instituto Weizmann fica na cidade de Rehovot, a 25 quilômetros da capital, Tel Aviv. Zajfman vive em Rehovot com a mulher e os dois filhos. Ele falou a VEJA sobre o papel da concorrência no desenvolvimento científico, sobre como viabilizar economicamente as fontes alternativas de energia e até sobre a possibilidade de existirem formas de vida extraterrestres.
O que funciona melhor para direcionar uma equipe tão grande de cientistas, liberdade de ação ou disciplina férrea?
Oferecemos aos cientistas toda a liberdade para suas pesquisas. Algumas instituições dão diretrizes em excesso a esses profissionais, limitando em demasia seu campo de investigação. Os grandes avanços da ciência foram conquistados por pessoas que não estavam tentando resolver um problema específico. Tome como exemplo a criação dos aparelhos de raios X. Quando as propriedades dos raios X foram descobertas, que problema prático estava sendo estudado? Nenhum. O mesmo se pode dizer da internet. Ela não é a solução para nenhum dilema preexistente da humanidade. Não estou dizendo com isso que focar as pesquisas na solução de problemas não seja bom. Apenas defendemos algo diferente, ou seja, a necessidade de entender como a natureza funciona. A história mostra que, toda vez que compreendem algo sobre o corpo humano, sobre os alimentos, sobre os astros, enfim, sobre a natureza, os cientistas criam um novo conhecimento, cuja utilidade ninguém sabe ainda qual poderá ser. Precisamos apenas criar um sistema, com a melhor infraestrutura disponível, para fazer esse conhecimento fluir na direção certa. Isso é o que nos distingue como instituição.
Que qualidades básicas são exigidas de um cientista que queira trabalhar no Instituto Weizmann?
Ele tem de ser muito bom no que faz, ter curiosidade e paixão pela ciência. As descobertas são resultado de intenso trabalho cerebral dos cientistas. O conhecimento apenas não é suficiente. O conhecimento está disponível com facilidade na internet e nos livros. Não é porque alguém sabe muito que é capaz de fazer muito. Se fosse assim, qualquer um poderia se tornar cientista. Nossa seleção é baseada no mérito. Não interessam o país em que o pesquisador nasceu nem a cor da sua pele. Não há cotas por aqui.
Como transformar as descobertas em produtos?
Em 1959, fundamos a Yeda, uma das primeiras empresas de transferência de tecnologia do mundo, com o objetivo de vender nossas descobertas. Entendemos a diferença entre descobertas feitas em laboratório e a introdução desses inventos no mercado. Nem sempre pesquisas bem-sucedidas significam sucesso no mercado. Por isso, aprendemos ao longo dos anos a não envolver os cientistas na comercialização do resultado das pesquisas. Aliás, eles são proibidos de criar empresas próprias.
Israel está 42 posições à frente do Brasil no ranking mundial da inovação. Como o país construiu as bases para o desenvolvimento tecnológico?
Priorizar investimentos nas áreas de pesquisa e desenvolvimento é uma das razões, definitivamente. A segunda é que nós não temos outra escolha. Não há nada nesta terra. Não há água, apenas muito sol. Não podemos exportar nada, a não ser nossas ideias. O povo de Israel tem uma característica muito peculiar, que de certa forma ajuda no desenvolvimento científico. Refiro-me ao hábito dos judeus de discutir o tempo todo. A sociedade judaica adora argumentar e é muito proativa nisso. Sem discussão, não há avanços. Se alguém põe um sinal vermelho na sua frente, a atitude correta não é parar, conformado. Isso é o que chamamos de chutzpah, a maneira audaciosa, quase insolente, de questionar tudo em nossa sociedade. Os estudantes israelenses aprendem desde cedo a argumentar com seus professores, e a questioná-los. Estamos o tempo todo tentando encontrar soluções e explicações melhores para as grandes questões do mundo e da vida.
De que maneira a concorrência com instituições científicas de outros países afeta o instituto?
Em geral, isso é bom, porque inspira os cientistas. Adoro que seja assim. Quando não há concorrência, não há progresso nem avanços, pois faltam estímulos para criar tecnologias economicamente viáveis. Além disso, os resultados acabam sendo complementares, mesmo quando dois cientistas concorrentes trabalham em projetos semelhantes. Não podemos esquecer que as pesquisas são feitas por homens, não por máquinas. Descobertas muitas vezes ocorrem quando se tenta replicar exatamente o mesmo experimento já realizado por outro cientista.
O Instituto Weizmann tem mais de 25 anos de experiência em estudos com fontes alternativas de energia, como a solar. Podemos vislumbrar um futuro sem o petróleo?
Dentro de algumas décadas, veremos uma diversificação maior no mercado de energia, hoje quase totalmente baseado em um único produto, o petróleo. Isso será muito bom, pois não existirá apenas uma solução vencedora, mas várias. O maior problema atualmente é como armazenar a energia. Veja o caso dos carros elétricos. Ninguém quer ter um veículo que precisa ser abastecido a cada 100 quilômetros. O grande desafio é desenvolver uma tecnologia capaz de aumentar a autonomia desses carros.
Qual é a melhor fonte renovável de energia?
A graça dessa questão é que não há uma fonte melhor. As soluções para a demanda energética serão regionais. No caso do Brasil, por exemplo, o uso de biocombustíveis pode ser a solução. Para os países que sofrem com a escassez de água, no entanto, essa é uma solução terrível, e a melhor talvez seja a energia solar. As nações rodeadas por oceanos podem recorrer ao biocombustível fabricado com as algas marinhas. A energia eólica é muito usada na Dinamarca. O que quero dizer é que o que é bom para a Dinamarca talvez não seja bom para o Brasil, e essa diferença é ótima, porque realmente cria mercados antes inexistentes.
Seu instituto desenvolveu uma tecnologia solar capaz de transformar gases poluentes do efeito estufa em um combustível para automóveis. Quando essa novidade estará no mercado?
Vendemos a licença dessa tecnologia a uma empresa australiana, que trabalha para transformar nosso protótipo em algo de maior escala. A ideia funcionou em nossos laboratórios, e esperamos vê-la em breve sendo comercializada em todo o mundo.
Depois do acidente na usina de Fukushima, no Japão, em março do ano passado, muitos países anunciaram o fim dos projetos de energia nuclear. Qual a sua opinião sobre isso?
Decisões como a tomada pela Alemanha, de fechar algumas de suas usinas nucleares, não têm fundamento científico, apenas político. A energia nuclear ainda é uma das formas mais segura de energia. Os danos provocados por uma usina de carvão, como a poluição do ar, são mais nocivos para os seres humanos e para a natureza do que os efeitos das usinas nucleares. Se pensarmos de forma lógica, veremos que não há razão para deixar de apostar nesse tipo de tecnologia. Mas, claramente, não foi uma boa ideia construir uma usina nuclear em uma área sujeita a terremotos, como é o caso de Fukushima. Em outras condições, contudo, é uma energia muito limpa. Na França, a maior parte da energia é gerada por usinas nucleares, e não há nenhum problema nisso.
Soube-se, recentemente, que o Irã estava enriquecendo urânio com 27% de pureza, grau insuficiente para produzir bombas, mas bem acima dos 20% suficientes para seu uso como combustível de usinas geradoras de eletricidade. O senhor acredita que o Irã está mais próximo de obter a bomba atômica?
Realmente não sei. Essa é uma questão política. Hoje, não é preciso ser um grande cientista ou especialista para saber como fabricar uma bomba atômica. Todo país pode fazê-lo se tiver os equipamentos necessários para isso. Tenho sorte de ser um cientista, e não um político com a obrigação de cuidar desse tipo de problema.
Pensando, então, estritamente do ponto de vista técnico: um país com as características econômicas do Irã precisa de mais de 145 quilos de urânio enriquecido a 20% para uso civil?
Todos os números são fortemente manipulados por ambas as partes. Dito isso, acho que claramente essa quantidade de urânio enriquecido não se justifica para fins exclusivamente pacíficos. Todos nós gostaríamos de viver em um mundo democrático, com estabilidade política e governos responsáveis. Infelizmente, não podemos correr o risco de ver a tecnologia nuclear cair nas mãos de países que não contam com democracia plena.
O senhor já fez pesquisas para definir as possibilidades de existir vida em outros planetas. Qual foi a conclusão?
Sempre procurei entender as questões mais complexas do universo. Tenho sido muito ativo em tentar reproduzir em laboratório alguns fenômenos considerados essenciais para o surgimento da vida, como criar moléculas complexas como hidrocarbonetos a partir de outras mais simples. O objetivo é descobrir se o surgimento dessas moléculas pode ser espontâneo. Sobre a vida extraterrestre, se alguém me fizesse essa pergunta vinte anos atrás, eu diria que a probabilidade era muito baixa. A única coisa que sabíamos naquele tempo era que havia oito ou nove planetas ao redor do Sol. Era muito claro para nós que planetas como Marte e Júpiter não tinham locais onde a vida poderia ter se desenvolvido. Hoje, sabemos que existem milhares de planetas que giram ao redor de outras estrelas. . Podemos estimar em bilhões o número de planetas. Antes, portanto, analisávamos a hipótese de encontrar vida em nove planetas. Atualmente, temos bilhões de opções. As chances se multiplicaram. Por isso, minha resposta agora é que pequena mesmo é a probabilidade de não existir vida fora da Terra. Encontrar vida inteligente em outros planetas é outra coisa. Ainda estamos muito longe até de pensar nessa possibilidade.